Lembra-te de santificar o dia de sábado. Ex 20, 8
Este é o terceiro Mandamento da lei, e assim convém.
Em primeiro lugar, é preciso venerar a Deus com o coração; por isso o Mandamento de não cultuar senão a um só Deus: "Não terás outros deuses diante de mim". Em seguida, é preciso venerá-lo com a boca, por isso o Mandamento: "Não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão". Finalmente, é preciso venerá-lo com obras, e por isso se diz: "Lembra-te de santificar o dia de sábado". Ora, Deus quis que houvesse um certo dia no qual os homens se dedicassem a seu serviço.
- Para destruir um erro. Ora, previu o Espírito Santo que haviam de surgir alguns que diriam que o mundo sempre existiu: "Sabei antes de tudo que, nos últimos tempos virão embusteiros zombadores vivendo segundo as suas concupiscências e dizendo: Onde está a promessa ou a segunda vinda dele? Desde que nossos pais morreram, tudo continua como desde o principio da criação. Mas isto é porque eles ignoram voluntariamente que antigamente pela palavra de Deus existiram os céus e a terra, da água e pela água." (2Pd 3, 3-5).
Portanto, quis Deus que um dia fosse guardado em memória [do fato] de que Ele criou todas as coisas em seis dias, e cessou no sétimo de criar novas criaturas. Esta razão coloca o Senhor na lei, ao dizer: "Lembra-te de santificar o dia de sábado".
Os judeus, contudo, guardavam o sábado em memória da primeira criação; mas na vinda de Cristo houve uma nova criação. Na primeira, fez-se o homem terreno, na segunda, o homem celestial: "Em Jesus Cristo, nem a circuncisão nem a incircuncisão valem nada, mas o ser uma nova criatura" (Gal 6, 15). E esta nova criatura é obra da graça, a qual teve seu princípio na Ressurreição: "Assim como Cristo ressuscitou dos mortos pela glória do Pai, assim nós vivamos uma vida nova. Porque, se nos tornarmos uma só planta com Cristo, por uma morte semelhante à dele, o mesmo sucederá por uma ressurreição semelhante" (Rom 6, 4-5). Como a Ressurreição deu-se no domingo, celebramos este dia, assim como os Judeus celebram o sábado por causa da primeira criação.
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Para instruir na Fé do Redentor. A carne de Cristo não se corrompeu no sepulcro, como diz o Salmo: "O meu corpo descansará seguro" (Sl 15, 9) e "não permitirás que o teu santo experimente corrupção" (SI 15, 10). Por isso, quis que o dia de sábado fosse observado, pois, assim como os sacrifícios eram figura da morte de Cristo, assim o descanso de sábado era figura do descanso da sua carne. Nós, porém, já não observamos aqueles sacrifícios, pois chegada a realidade, deve cessar a figura, assim como, advindo o sol, cessam as sombras; guardamos contudo [o sábado] em veneração da gloriosa Virgem Maria, que, naquele dia, enquanto Cristo repousava no sepulcro, preservou a Fé na sua integridade.
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Para fortalecer e figurar a verdade da promessa. Com efeito, foi-nos prometido o repouso: "Naquele tempo em que o Senhor te tiver dado descanso, depois do teu trabalho, da tua opressão, da dura servidão a que estiveste sujeito" (Is 14, 3). E ainda: "O meu povo repousará numa habitação de paz, em moradas seguras, em vivendas tranquilas" (Is 32, 18). De três coisas esperamos repouso: dos trabalhos da vida presente, das ameaças das tentações, e da servidão do diabo. Cristo prometeu este descanso aos que vierem a Ele: "Vinde a mim todos os que estais fatigados e carregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração, e achareis descanso para as vossas almas. Porque o meu jugo é suave, e o meu peso leve." (Mt 11, 28-30). Ora, vemos que o Senhor trabalhou por seis dias, e descansou no sétimo, pois convém primeiro realizar uma obra perfeita: "Vede com os vossos olhos o pouco que trabalhei, e como adquiri muito descanso" (Ecle 51, 35). Ο tempo da eternidade excede todo o tempo presente mais incomparavelmente do que mil anos a um único dia.
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Para inflamar o amor: "O corpo, que se corrompe, torna
pesada a alma" (Sab 9, 15), e assim o homem sempre se inclina para as coisas terrenas e inferiores, se não se esforça por elevar-se acima delas. Portanto, é preciso dedicar algum tempo a isto. Alguns fazem-no o tempo todo: "Bendirei o Senhor em todo o tempo: o seu louvor estará sempre na minha boca" (SI 33, 2); diz o Apóstolo: "Orai sem cessar" (1Ts 5, 17); estes fazem o seu sábado continuamente. Alguns fazem-no em certa parte do tempo: "Sete vezes ao dia te dirijo louvores" (SI 118, 164). A outros, a fim de não se afastarem inteiramente de Deus, foi conveniente haver certo dia determinado, para que o amor de Deus não se esfriasse neles demasiadamente: "Se chamares ao sábado as tuas delícias... então te deleitarás no Senhor" (Is 58, 13-14). "Então porás tuas delícias no Onipotente, e levantarás o teu rosto para Deus" (Jó 22, 26). Tal dia não se destina a divertimentos, mas ao louvor e à oração a Deus Nosso Senhor. De onde dizer Santo Agostinho que nesse dia arar é menos grave do que brincar.
- Para a prática das obras de piedade em face dos subordinados. Alguns são de fato cruéis tanto para si mesmos como para os seus, e trabalham sem repouso por causa dos lucros; e assim o fazem os judeus, que são muito avaros: "Observa o dia de sábado... não farás nele trabalho algum, nem tu, nem teu filho, nem tua filha, nem o teu escravo, nem a tua escrava, nem o teu boi, nem o teu jumento, nem animal algum teu" (Dt 5, 12-14).
Por estas coisas, foi dado este Mandamento.
**"Lembra-te de santificar o dia de sábado". **
Dissemos que, assim como os judeus celebram o sábado, nós cristãos celebramos o domingo e as demais festas principais. Vejamos agora como devemos guardar esses dias.
Note-se que não diz "guardar o dia de sábado" e sim "santificar o dia de sábado". Ora, "santo" compreende-se de dois modos. Por vezes, santo significa puro: "Mas fostes lavados, mas fostes santificados" (1Cor 6, 11). Por vezes, chama-se "santo" o que é consagrado ao culto de Deus, como o local, o tempo, as vestes e os vasos sacros. Destes dois modos devemos celebrar as festas: de modo puro e abandonando-nos ao serviço divino.
Neste Mandamento, duas coisas se consideram: primeiro, o que se deve evitar nas festas; segundo, o que se deve fazer.
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Realizar trabalhos corporais: "Nem façais obra servil alguma; santificai o dia de sábado" (Jr 17, 22); de onde o dizer a lei: "Não fareis nele trabalho algum servil" (Lv 23, 25). Ora, o trabalho servil é o trabalho corporal, pois o trabalho da alma, como pensar e outros semelhantes, é um trabalho livre: a ele o homem não pode ser compelido. Porém, é preciso saber que por quatro motivos é possível fazer trabalhos corporais no sábado: Por necessidade, daí o Senhor escusa os discípulos que colhiam espigas no sábado, como está dito no Evangelho (Mt 12); por utilidade à Igreja, daí se diz no Evangelho que os sacerdotes faziam tudo o que era necessário no templo no dia de sábado; por utilidade do próximo, daí o Senhor curar no dia de sábado ao que tinha a mão seca e confundir os judeus, repreendendo-os ao dar o exemplo da ovelha; por ordem do superior, daí o Senhor ordenar aos judeus que circuncidassem no dia de sábado, como se lê no Evangelho (Jo 7).
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Devemos nos precaver contra o pecado: "Evitai, por vossa vida, transportar cargas no dia de sábado" (Jr 17, 21). A carga da alma, o peso do mal, é o pecado: "As minhas culpas se elevaram acima da minha cabeça, como uma carga pesada" (S1 37, 5). O pecado é trabalho servil; pois, como diz o Evangelho (Jo 8, 34), quem peca, faz-se escravo do pecado. Por onde, quando diz: "não façais trabalho servil neste dia", pode-se compreender como referência ao pecado; e assim, age contra o Mandamento quem peca no sábado, pois ofende a Deus por trabalhar e por pecar: "Os sábados e as outras festividades, não as posso já sofrer" (Is 1, 13-14). E por quê? Porque "não posso suportar as assembleias solenes com o crime. A minha alma aborrece as vossas neoménias e as vossas solenidades; tornaram-se-me molestas".
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Devemos nos precaver contra a negligência: "A ociosidade ensina muita malícia" (Ecle 33, 29). Escreve Jerônimo a um camponês: "Entretei-vos sempre com alguma boa obra, para que o diabo vos encontre ocupado". Por isso, não é bom observar senão as festas principais, se no resto do dia o homem terminar por ficar ocioso: "Reina o poderoso que ama a justiça" (Sl 98, 4), ou seja, o discernimento. Por isso, diz as Escrituras (1Mc 2) que alguns judeus haviam se ocultado e os inimigos lançaram-se sobre eles; acreditando que não podiam se defender no dia de sábado, foram vencidos e mortos. Assim ocorre com muitos que se quedam ociosos nas festas: "Os seus inimigos viram- -na e fizeram escárnio de seus sábados" (Lm 1, 7). Ao contrário, devem agir como aqueles outros judeus, que diziam: "Se alguém, quem quer que seja, nos atacar em dia de sábado, pelejaremos contra ele" (2Mc 2, 41).
#OsDezMandamentos - 16